domingo, 1 de outubro de 2017

Convento de Santa Helena do Monte Calvário


Foi fundadora desta casa religiosa a Infanta D. Maria de Portugal, filha do Rei D. Manuel e de D. Leonor de Áustria que, para o efeito, obteve do arcebispo D. João de Melo e Castro e a instâncias de seu tio cardeal regente D. Henrique, segundo diploma de 29 de Maio de 1565, a ermida de Vera Cruz, as casas de cura do donato franciscano fr. Domingos e terrenos anexos patrimoniais da Câmara, junto da muralha da Porta da Lagoa. Era de Regra e observância de Santa Clara e S. Francisco, da Província do Algarve e teve, logo de início capacidade para 24 irmãs, das quais foram primeiras habitadoras, freiras do Convento da Assunção, de Faro e do Mosteiro de Jesus, de Setúbal. Teve, primitivamente, a crismação de VERA CRUZ. Os estudos e levantamentos dos terrenos começados em 1569, data da outorga real do anel da Água da Prata foram, porém, dirigidos pessoalmente a partir de 1570 pelo arquitecto-mor da Comarca Afonso Álvares, autor do projecto, e seu construtor o mestre de obras eborense Mateus Neto, verificando-se a inauguração da casa no dia 23 de Outubro de 1574. 

O padre Domingos Rodrigues, capelão do infante D. Henrique, teve o cargo de vedor da obra, a qual foi conduzida ininterruptamente até data de falecimento da princesa instituidora (Outubro de 1577), motivo que imprimiu à construção uma unidade arquitectónica severa, mas conforme a traça barroquista imperante após as determinantes das Actas do Concilio Tridentino. O edifício foi abandonado entre Maio-Junho de 1663, durante os assédios da Guerra da Restauração, por estar muito sugeito aos bombardeamentos da praça militar e arruinou-se parcialmente. Nele habitou, em regime forçado, alguns anos, a ilustre dama D. Isabel de Sousa Coutinho, que resistiu ao matrimónio imposto pelo 1.° Marquês de Pombal com seu filho José de Carvalho e Melo Daun, futuro 3.° Marquês de Pombal e 1.° Conde de Redinha, para se unir, depois da queda do ministro, ao noivo eleito, D. Alexandre de Sousa Holstein, futuros genearcas do Ducado de Palmela. No dia 7 de Setembro de 1889, no falecimento da derradeira abadessa do mosteiro, D. Maria José, o Estado secularizou o edifício mas autorizou que nele permanecessem algumas recolhidas sem votos, para ensinança feminina tanto de leitura como de trabalhos manuais, administração que se manteve algumas décadas, mesmo após a vigência da República, com a designação de Casa de Trabalho. Restaurado ultimamente pela Direcção dos Monumentos Nacionais nele se instalou com licença estadual a Casa de Regeneração Infantil dirigida pelas Religiosas Adoradoras Escravas do Santíssimo Sacramento e de Caridade. 

Tem aspecto de acentuada severidade e a fachada axial da igreja, que deita para o lado Norte, correndo desde a Portaria ao pátio interior, que se anicha na muralha quatrocentista, na linha defensiva da antiga Porta da Lagoa, está defendida por dez tramos acantonados de botaréus graníticos rematados com gárgulas cilíndricas. Mais graciosas e pitorescas, na assimetria peculiar da época, são as empenas, telhado e chaminés agulhados que compreendem os pavilhões do extra-dorso ocidental, protegidos pelos muros altaneiros da cidade e que abrangem a torre quadrangular doada em 1571 pela Câmara, atendendo a pedido escrito do rei D. Sebastião, ulteriormente transformada em mirante de grelhas de tijolo, de secção triangular e de cobertura com veios radiados. Outra torre-campanário se ergue na construção, voltada para o lado oriental e parelha da empena do coro, decorada por curiosa obra de alvenéu, de características seiscentistas, com telhado de quatro águas, frestas de arcos redondos e frontão saliente de caixa rectangular crivada de aberturas tijoleiras. Os rótulos, desenhados geometricamente, são de tipo pouco comum na cidade - quadrangulares, ovulados, elípticos, semi-ovais: a empena, com enrolamento, é rematada nos acrotérios por fachos de alvenaria. Esta obra, de factura setecentista, foi aposta ao campanário, que conserva dois pequenos sinos de bronze fundido, correntes, de estampilha do mesmo milésimo, sendo um liso e o outro ostentando, além da cruz de andares, em baixo-relevo, a insígnia J. H. S. e a data de 1753. Um destes sinos, pertence à poesia e à literatura, pois era baptizado na cidade como sino da fome, por somente ser utilizado quando das graves crises alimentares da comunidade. 

A entrada do convento faz-se pela travessa dos Lagares, depois de se percorrer o passadiço da casa do capelão, que é uma curiosa moradia quinhentista de janelas de granito, do estilo manuelino, arcaizante, e com vestígios de esgrafitos da centúria seguinte. No pátio de entrada subsiste poço de gargalo granítico, quadrado, e a armação da roldana em arco de ferro forjado, possivelmente da época da fundação. A Portaria, cujo ângulo exterior é cintado por aparelho trabalhado, compõe-se de duas dependências de planta rectangular, sendo a da clausura formada por dois tramos de abóbada abatida com nervuras de aresta viva, que repousa em mísulas do classicismo estilizado, existindo numa a data de conclusão da obra (1578) e noutra, sobranceira, uma cabeça de serafim. A roda conventual está completa (desapareceu, ultimamente, o palratório), cujas molduras estão envolvidas por silhares de azulejaria colorida, do tipo de tapete, seiscentista. Os bancos, de alvenaria, da parede meridional, conservam, também, revestimento de azulejos polí-cromos e de esmalte azul e branco, do género vegetalista, dos finais da mesma centúria. Na sala vêem-se três painéis de pintura da antiga comunidade: grande tábua rectangular, do último terço do séc. XVI, representando Cristo a Caminho do Calvário, obra de provável oficina maneirista local, que está muito arruinada e veio de uma capela do piso alto do claustro, e duas telas de factura popular, dos meados do séc. XVII, figuradas por S. João de Deus e S. Diogo de Alcalá. São imitações do estilo estremenho espanhol de Arellano, vulgarizado entre nós por Josefa de Óbidos. 

O claustro é pura obra do estilo barroco, de dois pisos e planta rectangular, com cinco tramos no sentido longitudinal e três no perpendicular. Os arcos são de meio ponto apoiados em colunas toscanas, de granito e embasamento de alvenaria, no corpo térreo, sendo as abóbadas reforçadas com arcos abatidos, emoldurados e de caixotões estucados, do séc. XVIII. O primeiro andar compõe-se de arcada dórica, de cornijamento rectilíneo, também de granito: nela existiram alguns altares em forma de oratório, com retábulos de talha e pinturas, de portas ornamentadas com tecelagem artística, estando uma datada de 1675. No centro da quadra ergue-se a fonte, de mármore branco, com tanque rectangular e taça de forma elíptica, que é ainda do período quinhentista e desenho do arquitecto Afonso Álvares. Outro lavabo existe na parede meridional, encaixado em obra calcária com figuração de um anjo em baixo-relevo decorado por alizares de cerâmica policroma, do séc. XVII, de padrão de maçaroca de milho. Sobranceiro, onde existiu uma capela, vê-se nicho forrado completamente de azulejaria monocroma, de figura avulsa, setecentista, que foi deslocada de duas casinhas que se erguiam nos vãos da arcada do claustro da banda do Refeitório, destruídas em tempos modernos. A antiga Via Sacra, de azulejos recortados, azuis e brancos, mantém-se nos alçados deste corpo do edifício e nas paredes exteriores da capela da cerca. As restantes construções da parte térrea pertencem, igualmente, ao debuxo quinhentista do arquitecto Afonso Álvares. De entre elas destacam-se a Sala Capitular, o Refeitório, a Aula da Comunidade e o Pátio da Lavagem. A primeira dependência fica no lado Nascente da quadra e é de planta quadrangular dividida em dois tramos por robusta coluna toscaria, de granito, com capitel da Renascença, de volutas pintadas a têmpera, de nítida inspiração da arte de Chanterene, segundo cópia das pilastras do demolido Refeitório do Convento do Paraíso, hoje reconstituídas no Museu Regional de Évora. O tecto, de plano horizontal, é constituído por esteiras lisas de carvalho, repousando em mísulas de desenho idêntico ao do pilar; cadeirado, de acentuada sobriedade e pobreza, com espaldar da mesma madeira e banco corrido que, seguramente, não são os primitivos. 

No meio da sala, para Oriente, transformado em janelão, o resto de uma capela de lenho dourado e dispersas, nas paredes, algumas pinturas religiosas a óleo sobre tela, populares ou freiráticas, sem valor artístico. No solo está uma placa de mármore branco com estes dizeres: NOS OSSOS Q: A QVI ESTAMOS PE LLOS VOSSOS: ES PERAMOS 1650 À entrada do Capítulo, no chão do claustro, fica o carneiro das freiras, coberto de lousas anepígrafas, calcáreas, presas por argolões de ferro. O Refeitório é uma casa ampla e alegre, embora de discreta arquitectura barroca, que abrange a largura total da quadra, iluminada por janelas que deitam para a cerca. De planta rectangular, sobre o comprido, tem dois tramos separados por grossa coluna da ordem dórica, de pedra escura, com capitel e mísulas terminais ornadas de volutas trabalhadas e pintadas, onde se vêm, ainda, atributos franciscanos: a sagrada custódia e os braços encruzados dos fundadores. O tecto, de madeira fasquiada, subdivide-se em seis caixotões lisos e, no lambris parietal da cozinha, assim como na escada de acesso ao púlpito de leitura, que é formado por grade de balaustres de lenho torneado, corre interessante revestimento de silhares de azulejos de esmalte azul e branco, com motivos de albarradas e de figura avulsa, setecentistas. Preenchendo na totalidade o topo nascente, emoldurado a ouro e de ornatos laçados, conserva-se o triplico de pintura sobre tábua, da época da fundação do convento, representado pela CEIA, no eixo e pelos postigos de SANTA CLARA e S. FRANCISCO. Obra de oficina eborense, do ciclo maneirista, de c.ª 1580, de feição popular, foi repintada e empastada posteriormente, talvez por mão habilidosa de qualquer religiosa e perdeu o carácter primitivo. O Pátio da Cisterna, atinge-se através do corredor da Cozinha, tendo este dois bancos de alvenaria forrados de azulejos coloridos, de padronagem naturalista, corrente, do seiscentismo, com os socos e molduras do tipo de renda, mais curiosos. 

O recinto, aclaustrado, tem duas faces, com arcada de três tramos, de colunas e pilares de granito, da ordem toscana. A do lado norte, mais regular, possui terraço de colunelos dóricos e arcos de cornijamento rectilíneo, que é fechado por gradeamento de ferro forjado com balaústres de secção quadrada, dos fins do quinhentismo. As empenas laterais repousam na muralha da cidade, cujo adarve tem bandeira de grilhagem geométrica, e no pavilhão oriental que compreende a Enfermaria, Capela do Baptismo e noutras dependências monásticas, de coberturas de quatro águas, levantadas depois dos estragos causados pela Guerra da Restauração. No pátio, que conserva o pitoresco de outrora, subsistem o velho tanque da lavagem, com gárgula de mármore, zoomórfica, mutilada, e três inscrições utilitárias abertas em mármore, cuja leitura é a seguinte: POR DEBAIXO DESTA PAREDE VAI A AGOA A COZINHA E SE A PARTA NO MEIO DESTE PORTAL DO PO IO PR NR AVE M.A (Debaixo do alpendre de acesso à cozinha). ESTA AGOA VAI DA Q PLO MEO DO CORREDOR DE LONGO DAS NE CESRIAS AO TÃ QVE DA CERQUA AONDE LAVÃO AS SERVIDORAS (No tanque da rouparia). A terceira memória, de impossível leitura por esmagamento de letras, está afixada no vão do alpendre norte, que tem abóbada nervurada, sem chaves, por rebocar. No andar principal, de comunicação com o claustro, são curiosas algumas capelas e o Dormitório, vasta dependência de planta rectangular, que olha a nascente, com telhado de quatro águas e tecto de madeira fasquiada, de carvalho, disposto em três esteiras lisas muito bem obradas nos ângulos, com caixotões triangulares, relevados. 

Ê obra puramente funcional, de arquitectura franciscana, das origens do mosteiro, rematada quase no topo meridional, ao meio da casa, por discreto oratório de talha dourada e marmoreada, rocócó, do séc. XVIII, representando o Calvário, com imagens vulgares, de madeira e roca. Assenta o mesmo numa peanha de alvenaria recoberta de azulejos de padrões coloridos, monocromáticos, provenientes de diferentes lugares do edifício. Dos vários santuários que a piedade das religiosas ordenou através dos tempos, subsistem dois profanados, nos pisos altos. O de S. João Baptista, de planta rectangular, quase miniatural, com 3,38 m de fundura por 2,60 m de largo, está completamente forrado por precioso conjunto de azulejaria azul e branca, de motivos florais, albarradas e de silhares de figura avulsa, dos últimos anos do séc. XVII e por formosa composição no tecto, com painel polícromo, quadrangular, de dois Anjos Adorando a Eucaristia. A Custódia é suportada por águia real coroada e ao lado, estantes, símbolos celestes. 

O cornijamento conserva vestígios de pinturas murais, de ornatos barrocos e o altar, completo, tem o retábulo do Baptismo de Cristo, grande tela de autor desconhecido, coevo. Os alçados das escadinhas de acesso, estão recobertos de azulejos monocromos, do tipo de albarrada com capulhos, iguais aos do forramento da nave da igreja. A porta da Enfermaria, compreendida no mesmo pavilhão, tem curioso exemplar de batente almofadado, em talha de alto-relevo e pregos de estanho, com tabelas barrocas de grinaldas emblemáticas da ordem franciscana. No listel superior, a data de 1687. Muito arruinada está a capelinha sobranceira, a cavaleiro do Dormitório, dedicada à Sagrada Família, com altar ornamentado pelas pinturas de Santana e S. Joaquim, no facial, e de tecto estucado, de três esteiras, com composição a fresco da Apoteose dos luminares da Igreja, S. Francisco de Assis e S. Domingos de Gusmão, além dos emblemas afins. É obra do estilo rocócó, cronografada de 1789. IGREJA Exemplar puro do estilo barroco-franciscano conserva, estruturalmente, as linhas originais desenhadas pelo arquitecto régio Afonso Álvares e o sistema habitual determinado pela ordem religiosa: a entrada axial aberta na fachada lateral. É de uma só nave a nascente, em planta rectangular, de seis tramos divididos por pilastras formeiras, incluindo a galeria do coro e a capela-mor, com abóbada de meio ponto revestida de caixotões geométricos, de estuque relevado. Os alçados laterais estão completamente forrados de azulejaria e padronagem do seiscentismo derradeiro (época de D. Pedro II), de vários tipos: paredes, de largos silhares de tapete, com albarradas de capulhos e painéis centrais de figura avulsa, azuis e brancos, e as pilastras, de temas vegetalistas, pouco usuais, policromos e de inspiração oriental, em fundo roxo. Pertencem à década de 1690, e foram feitos em Lisboa pelo custo de 149 440 rs. 

O tramo correspondente ao cruzeiro está enobrecido por dois altares de madeira dourada, executados na mais sóbria expressão da contra-reforma, de arcos redondos e frontões quebrados, de volutas, compostos com tábuas de pintura a óleo, do espírito maneirista de c.ª 1580, que foram atribuídos por Adriano de Gusmão ao pintor Simão Rodrigues. São, realmente, trabalhos do ciclo deste artista, mas podem ser, também, obra de oficina eborense coetânea, pois este período da nossa pintura, em franca decadência e sem sombra de originalidade, submetera toda a produção aos tipos comuns das escolas flamenga, italiana ou espanhola. Representam, os quadros, que estão emoldurados com talha dourada de filetes geométricos e têm o corpo superior arredondado, ao Evangelho, o Pentecostes e o Padre Eterno, em painel quadrangular, no eixo da empena. O altar do lado da Epístola, da Assunção da Virgem, é sobrepujado pelo Cristo Salvador, em busto. Em friso acompanhando as cornijas do corpo da nave e intervalando as pilastras, existem seis painéis de tela, com temas sagrados do culto franciscano figurados pelos assuntos: S. Francisco e S. Domingos venerando a Virgem com o Menino, Nascimento da Virgem, Apresentação da Virgem no Templo, Casamento da Virgem, Fuga para o Egipto e Nossa Senhora da Conceição. São trabalhos académicos de boa mão, da Escola Italiana do período final do reinado de D. João V, mas provavelmente executados por artista português. O coro externo ocupa parte do tramo fundeiro da igreja e assenta em galeria de três arcos apoiados em colunas toscanas, de mármore. 

Da mesma pedra é a balaustrada clássica da tribuna, coeva da obra de fundação, mas o revestimento mural das paredes e tecto, de ornatos florais, policromos, é dos começos do séc. XVIII. No tímpano, obstruindo o rosetão de estuque e sobrepujante ao gradeamento de puas aguçadas, conservam-se três volumosos painéis de madeira de carvalho, da Paixão de Cristo e de Santa Helena, os quais, constituídos primitivamente em triplico, formavam o retábulo quinhentista do presbitério, que foi apeado no fim do séc. XVII quando da montagem do actual altar-mor. É obra do estilo maneirista flamengo e foi contratado entre o pintor eborense Francisco João e o cavaleiro Álvaro Fernandes, tesoureiro da Infanta D. Maria de Portugal, segundo quitação lavrada no Cartório do tabelião Manuel Simões. A encomenda, que teve execução pouco depois de 1575, importou em 200 000 rs. Conjunto de relativo interesse artístico é, todavia precioso documentalmente por assinalar um dos primeiros trabalhos do tipo maneirista feitos no sul do País cabendo a este artista plástico a originalidade de um estilo que atingiu depois, em Simão Rodrigues e Diogo Teixeira uma produção estimada na época da Contra Reforma. O presumível quadro central, que representa a padroeira da comunidade - Santa Helena e a Vera Cruz - é tratado com cuidado e riqueza de personagens, que vestem opulentas roupas quinhentistas de brocateis, veludos e sebastos policromados. A paisagem mantém a tradição flamenga. Mede: alt. 2,50 m. x larg. 1,70 m. 

Os dois restantes painéis. Cristo com a Cruz às costas e a Deposição no Túmulo, mais duros de desenho e de composição falha de perspectivas, embora intensamente ricos de cor, são valorizados, neste último, pelo tratamento das figura de Jesus, Virgem, Santa Maria Madalena e S. João, dramáticos, belos e realistas. Têm dimensões iguais: alt. 1,33 m.; larg. 1,14 m. No pavimento da nave tiveram sepultura alguns benfeitores e devotos do mosteiro, dos quais subsistem campas de mármore com letreiros apagados uns, lisos outros e duas brasonadas, dos sécs. XVI-XVII, além da cruzeira, de mármore branco, armorejada e caligrafada, do arcebispo D. Fr. Joaquim Xavier Botelho de Lima, morto no ano de 1800. Diz esta pedra tumbal: JOACHIMO.XAVERIO.BOTELIO.DE.LIMA. EX.COMITIBVS. S. MICHAELIS. EBORENSIS.ECLESIAE.METROP.ARCHIEP. OPTIME.MERITO. QVIPOPULO.DOCTVS.AC.PIVS. MAXIMO.SVI.DESIDERIO.CVNCTIS.RELICTO. ANNOS.NACTVS.TRES.ET.OCTOGINTA. OBIIT.IV.IDVS.APR.AN.D.MDCCC. PERPETVIS.VIRTVTVM.LAVDIBVS.AD.POSTEROS VICTVRVS. Fechando o cruzeiro, existe uma bela grade de pau-santo apilastrado, de tremidos e de balaústres torneados, com elegantes pináculos torsos, espiralados. É obra do espírito barroco de c.ª 1700. 

Finalmente, no corpo da nave, também se deve mencionar o púlpito do pregador, afixado no lado da Epístola, feito de mármore regional, em caixa cilíndrica e balaustrada da mesma forma geométrica, e a pia de água benta, de fuste elegantíssimo e taça circular, de inspiração clássica, igual às da Igreja de Santa Clara e coevas entre si (c.ª de 1575). CAPELA-MOR Compreende o último tramo do templo e está decorada com a maior riqueza, desde o tecto, de caixotões pintados a fresco, enobrecido no eixo pelo emblema sagrado de J. H. S., ao forramento geral das paredes por azulejos monocromáticos, em ramagens de padronagem pouco comum, de tipo oriental, dos fins do séc. XVII. Do mesmo modo, o apainelado cerâmico recobre os suportes do supedâneo do altar, que se atinge subindo seis degraus com balaustrada de mármores embutidos, em cujos ângulos se conservam dois curiosos anjos-ceroferários, de madeira policromada e do estilo português corrente no reinado de D. João V. O arco mestre da capela, de alvenaria, está decorado a fresco com figuras brutescas, rótulos e pendurados, tendo no centro, em tabela circular, o emblema franciscano e, lateralmente, alegorias zoomórficas da piedade e amor humano personificado no milagroso Poverello de Assis. É obra coetânea do retábulo actual, dos últimos anos do séc. XVII, provavelmente do período das empreitadas subsidiadas pelo arcebispo D. Fr. Luís da Silva Teles. Este altar, típico exemplo do estilo barroco, pertence ao extraordinário numero de obras congéneres e coevas dispersas por monumentos portugueses e que em Évora, a partir da governação episcopal deste prelado, iniciada em 1691, aparecem regularmente nas casas monásticas da Ordem Franciscana. 

Compõe-se de equilibrado trabalho de entalhamento dourado, com colunas salomónicas revestidas de pâmpanos, apoiadas em pedestais de enrolamento, fustes que, em plano concêntrico e intervalados por pilastras de alto-relevo cobertas de ornatos florais, constituem os arcos redondos do tímpano, cuja tabela central ostenta as armas reais da fundadora. Em consolas de talha, coevas, veneram-se os padroeiros: Santa Clara e S. Francisco, esculturas de madeira estofada e policromada, de tipo corrente do estilo barroco, sendo a primeira de melhor execução. A grande tela pintada que fecha a tribuna, com o Calvário, é trabalho popular, talvez de factura conventual, sem merecimento artístico. De fina obra de ensamblador, guarnecido de coluneis dourados, é o Sacrário, enobrecido na porta pela imagem relevada e colorida do Salvador. No santuário, subsiste o jogo de tamboretes da banqueta, de coxins soltos, estofados, em talha dourada e esculpida, com desenho de pernas recurvas e pés de garra, no estilo português D. João V. Dimensões da igreja: nave - comp. 15, m. x larg. 6,40 m. Capela-mor: fundo 3,70 m. x larg. 6,50 m. CORO Espaçosa dependência de planta rectangular, construída nos fins do séc. XVI, está coberta hoje com tecto de caixotões de linhagem pintada e figurada por atributos sacros da Ordem, as armas reais de Portugal, cruzes franciscanas e dominicanas e os sagrados Corações de Jesus e Maria, em obra vulgaríssima dos finais da centúria setecentista. O cadeirado, de madeiras de carvalho, com alto espaldar, compõe-se de 28 assentos esculpidos em lavramento floral, da via sacra e remates engrinaldados, obra encomendada pelo rei D. João IV mas concluída, seguramente, em época posterior. Ladeando a robusta grade de ferro batido que deita para o corpo da nave, defendida por puas muito alongadas, ficam dois altares colaterais, de talha dourada, sendo o do lado da Epístola decorado pelo painel da Assunção da Virgem, tábua de corte rectangular, com 1,80 m. de alto e 0,95 m. de largo, do ciclo maneirista do pintor lisbonense Simão Rodrigues. 

O emolduramento, de pilastras estriadas é coetâneo (c.ª de 1590). No ângulo reintrante, a meia altura, conserva-se uma curiosa pintura a fresco de S. Francisco, obra popular dos começos do seiscentos, que mede: alt. 1,25 m. x larg. 0,55 m. A capela do Santíssimo Sacramento, colateral do Evangelho, da arte rocócó, de c.ª 1750, feita de talha dourada e marmoreada, tem menos merecimento, vendo-se nela um Crucifixo de pau-santo, com base cavada em edículas, onde se veneram pequenos santos de devoção freirática e Cristo Morto no Túmulo, peças esculpidas em marfim - séc. XVII - fim. As restantes pinturas que se vêem nas paredes, o Calvário, sobrepujante ao gradeamento, e Santo António, no lado esquerdo do coro, são telas de feição populista, vulgares e incaracterísticas. Dimensões do coro: comp. 8,00 x larg. 6,40 m. Pelo convento existem, ainda, pequenos pormenores artísticos de forte sabor arcaico; silhares de azulejos antigos, as sólidas casas dos armazéns e cavalariças, apar da cerca nova da cidade, com arcada e coberturas artezonadas de aresta viva, em traça quinhentista, e três capelinhas na cerca, todas profanadas e irremediavelmente perdidas pelo seu estado de ruína. A principal, dedicada a N.ª S.ª do Rosário, teve valioso retábulo pintado em tela da Árvore de Jessé (desaparecida); é construção do estilo barroco com frontão triangular composto de pináculos piramidais, datados de 1696. 

Esteve revestida, também, de apainelados cerâmicos de esmalte azul e branco, de que subsistem vestígios e a cobertura, de berço, conserva, embora quase destruídos, quadros parietais da História da Instituição da Ordem Franciscana, da Sagrada Eucaristia, etc., além de uma laudatória legenda escrita em português no arco mestre do altar-mor, em evocação dos fundamentos e nome da madre padroeira, infelizmente sumida pela acção do tempo. A do onomástico de N.ª S.ª da Purificação, onde esteve o belo quadro maneirista da Assunção da Virgem, hoje no Paço Metropolitano, está transformada num monte de escombros, e da última, cujo título desconhecemos, apenas se vislumbram vestígios. 

BIBL. L.° 6 dos Originais da Câmara de Évora, fl. 256; Pe. Francisco da Fonseca, Évora Gloriosa, págs. 394-96; António F. Barata, Breve Notícia do Mosteiro de Santa Helena do Monte Calvário em Évora, 1899; Túlio Espanca, A Cidade de Évora, n.º15-16, págs. 205,243 e 279, e n.º 37-38, págs. 184-200; Adriano de Gusmão, A Cidade de Évora, n.º 35-36, págs. 15-39. 

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